Purple Haze

terça-feira, 15 de julho de 2008

O Desespero Humano e Crises Existenciais


O texto de hoje não é meu, mas guiou meu pensamento às profundezas do meu ser. Vale a pena ler e pensar um pouco.

A questão do ser ou não ser

A famosa frase de William Shakeaspeare encobre tantos sentidos , entretanto, poucos, muito poucos, percebem o seu profundo significado.

A primeira dificuldade se encontra no seu não complemento. Fica-se no ser ou não ser, eis a questão, porém a expressão completa é: ser ou não ser, eis a questão; “se é mais nobre ao espírito suportar as pedradas da sorte ultrajante ou se opor a um mar de percalços e vencê-los”.

Em outras palavras, é melhor se conformar com o que somos e/ou temos, ou enfrentar as diversidades conscientemente. Entretanto, diante de uma ou outra opção enfrentaremos o mar de percalços, isto é pagaremos “seu preço”, o preço da crise existencial de ter que escolher as conseqüências da decisão tomada.

Uma segunda dificuldade se encontra na própria estrutura da língua. Em nosso idioma (assim como no inglês e vários outros), confunde-se o ser com o estar. Podemos distingui-los, afirmando que o ser se refere ao próprio sujeito, a sua substância, enquanto o estar, as circunstâncias. Nessa perspectiva, não seria correto dizer: “Eu sou professor”, mas sim, “eu estou professor”, pois estou diante de uma circunstância, no caso, ministro aulas, entretanto, em casa, estou pai, marido, etc.. Portanto, estou no papel de professor.O ser é algo mais profundo.

Temos um exemplo bastante instrutivo em nossa contemporaneidade na música “Ouro de Tolo” do Raul Seixas: “eu devia estar contente, pois sou um cidadão respeitável e ganho 4000 cruzeiros por mês”, “... eu devia estar contente, pois comprei ....” O cantor critica a fragilidade do estar substituindo o ser.



O drama da escolha

Ser ou não ser, eis a questão. Realmente é a questão. O grande dilema humano. Não se consegue ficar neutro, temos a escolha. Escolha difícil: sermos a própria essência oculta em nós ou nos conformarmos à vontade dos outros, guiarmos nossas vidas pelo “eu quero” da própria alma ou pelo “tu deves” da sociedade? sermos dirigidos pela cabeça ou pelo coração?



O social e o existencial

Estamos no século XXI, o mundo à nossa volta parece estar de pernas para o ar. É fato que durante o século passado , tivemos a oportunidade de contemplar um crescimento incomensurável da tecnologia e dos meios de comunicação. Graças a eles, temos, em nossos lares, o microcomputador fazendo verdadeiros milagres no mundo da informação, assistimos o aparecimento da telefonia celular móvel, o laser que muito tem contribuído para a otimização de cirurgias extremamente delicadas, as tvs a cabo, o mundo está ao nosso alcance.

Porém, diante de tanto avanço tecnológico, tivemos também, um século marcado pela violência e degradação do ser humano. Duas grandes guerras mundiais, várias guerras isoladas, milhares de agressões e atitudes que causam profunda perplexidade. Assistimos horrorizados pela televisão o massacre dos albaneses na Iugoslávia, a morte de estudantes no Colorado, Estados Unidos da América, o assassinato dos "Sem-Teto" aqui em Minas Gerais, além do desemprego, fome, e tantas outras situações que evidenciam profundamente os dramas , o desespero humano, as crises existenciais pelas quais continuamente passamos.

Entretanto ficamos na análise periférica, acreditando apocalipticamente que estamos vivendo um período catastrófico, apesar de não acreditarmos com tanta intensidade nas profecias do fim dos tempos como no final do século passado.

Nada disso é novo. No século XIX, o filósofo dinamarquês Sören Aabye Kierkegaard, dedicou sua vida para entender o desespero no qual o ser humano, pela sua condição de estar no mundo, vivendo sua cotidianamente.

Discorre com muita propriedade sobre o desespero não como uma questão filosófica somente, mas também como um problema concreto do dia-a-dia. O existencialismo, que com ele se inicia, é um voltar-se para a concretude do indivíduo, para a sua singularidade e particularidade, na linguagem de Heidegger para o "ser-no-mundo". Ele (Heidegger), apresenta, para nós, o ser humano como aquele que se encontra numa situação, num círculo de afetos e interesses no qual o homem se acha sempre imerso, porém, nunca preso a ele. Pois, ao contrário, o ser humano sempre está aberto para tornar-se algo novo, sempre está para além da situação na qual se encontra. É um eterno rascunho, projeto ou esboço, um ser inacabado.

A visão de Kierkegaard sobre o Ser ou não Ser

Kierkegaard escreveu 1849, sua obra "Desespero Humano - Doença até a Morte", uma espécie de estudo básico, no qual o filósofo procura refletir sobre o significado do desespero, ou melhor, dos desesperos e como podemos lidar com eles de uma maneira otimizada para a nossa existência, questionando:

- Será que o desespero advém exclusivamente acontecimentos externos/

- Serão tais situações que nos fazem desesperar? Será a influência do meio externo que esmaga os nossos horizontes para a visualização da felicidade?

Essas indagações levam a outras:

- Triunfo ou fracasso sobre o quê?

- Sobre as guerras?

- Sobre o desemprego?

- Sobre a fome?

- Sobre as dificuldades financeiras?

- Sobre a violência?

Mas , Kierkegaard vai muito além. O "DESESPERAR" é muito mais do que um fenômeno social, é também uma questão emocional, que nos leva ao fracasso ou ao triunfo.

É o desespero que vai além, comparável ao Dr. Fausto de Goethe, dos sábios orientais que na forma de reflexão, avaliam sobre o quê poderemos verdadeiramente triunfar no que diz respeito ao "DESESPERO HUMANO", afirmando: "Um homem no campo de batalha conquista um exército de mil homens. Um outro conquista a si mesmo - Este é o maior” ·
Nesta perspectiva, Kierkegaard fala sobre o desespero humano. Para ele era um processo de conquista do próprio eu, uma oportunidade de sermos nós mesmos, uma espécie de trampolim que auxilia o indivíduo a chegar a uma existência mais plena, a coragem de sentir a vida em nós.

"Todo desespero é fundamentalmente um desespero de sermos nós mesmos”.

Entre os inúmeros tipos de desesperos, dois são bastante comuns:

: 1- O desespero pelo desejo de não ser um eu próprio - denominado de desespero-fraqueza.

2- O desespero pelo desejo de ser um eu próprio - denominado de desespero-desafio;

Para Kierkegaard o homem em desespero tem o costume de se considerar uma vítima das circunstâncias, porque o desespero revela a miséria e a grandeza do homem, pois é a oportunidade que ele possui de chegar a ser ele mesmo, chegar a ser um eu próprio. O desespero é algo universal . Todos os homens vivenciam o desespero, mesmo não tendo consciência plena dessa situação.

A pessoa mais complacente consigo mesma, é aquela que não se dá conta das suas dificuldades. Quando chega a "CATÁSTROFE" ou "A CRISE", ela passa a se ver num estado que é próprio do ser humano, ou seja, perceber-se em desespero, desamparado e abandonado à sua própria gerência. Enfatiza que esse momento é salutar , pois a crise que se mostra com o desespero pode levar o indivíduo à "cura", mas pode ser seriamente perigosa se o indivíduo não quiser dar conta de si próprio, ou seja, tornar-se ele mesmo. Esse é o sentido mais próximo do original da palavra crise (krisiV) , etimologicamente derivada do verbo grego krinô (krinw) que significa separar, julgar, decidir, considerar, avaliar, selecionar e escolher. O desespero, enquanto momento de "crise" é uma hora de escolha. Sendo ela, expressa em atos. A "cura" é o dar-se conta do seu próprio desespero, sendo a "doença" a negação ou a intenção de não ter consciência deste estado.

O homem que enfrenta com coragem, primeiramente, o ato de ver o seu desespero não está longe da "cura". Dizia Kierkegaard: "Quem desespera não pode morrer". Porque, quem se desespera acerca si próprio, quem desesperadamente deseja libertar-se de si próprio, ao invés de extinguir-se, se refaz, torna-se um novo "eu". No desespero-fraqueza, aquele que se fundamenta na intenção declarada do indivíduo de não ser ele mesmo, o que se apresenta é uma profunda negação. A pessoa não quer e nem se permite o sentir, isto é, ver quem ele está sendo em dado momento da sua vida. O indivíduo que vive nessa esfera "Não percebe nada da existência, aprende a imitar os outros e a maneira de se arranjarem para viver..e ei-lo vivendo como eles.

A pessoa que procura andar nesse caminho, se perde na fantasia e lança o seu olhar para o genérico ou universal, para aquilo que todos são, tornando-se uma pessoa modelada, padronizada e conformada, que se apega às convenções, abre mão dos seus interesses, procura não ter consciência dos conflitos pelos quais passa, enfim, vive uma vida que não é de sua própria invenção, mas dos outros. Kierkegaard dizia, que é possível que esse tipo de indivíduo tenha êxito e sucesso material, mas apesar de tudo, apesar de ter uma vida normal aos olhos do mundo, não conseguiu ser um eu de sua própria criação, ser ele próprio. E isto, trará um profundo vazio, que não poderá ser preenchido por qualquer coisa, a não ser, pela decisão de se autoreformular, de fazer de si um projeto da sua própria determinação.

O que leva esta pessoa à não vivenciar as suas possibilidades? É a sua incapacidade de obedecer, de se submeter a si próprio, às suas fronteiras interiores. A infelicidade de um tal "eu" não está em nada feito neste mundo, em nada exterior a si mesmo, mas consiste na sua não tomada de consciência daquilo que ele próprio faz consigo mesmo. O desesperado enfraquecido, pode materializar a sua autonegação, usando possibilidades relacionadas a coisas que estão fora do seu alcance, ou mesmo, ficando parado, congelado, estático diante de possibilidades fantasmagóricas que ele coloca para si como se fossem suas. Não conseguindo assim, movimentar-se em direção da mudança, do vir-a-ser um indivíduo de sua própria invenção. Isso leva o indivíduo a criar um escudo diante de si, pois uma das suas maiores ilusões, já que ele vive num mundo de pura fantasia é: "SE O MUNDO À MINHA VOLTA MUDAR EU TAMBÉM MUDO". Ele afirma quase que constantemente: "Se tivesse à inteligência de fulano ou as riquezas de beltrano, tudo seria diferente". Ele não consegue se ver como o gerente das circunstâncias da sua própria vida.

Por que?

Porque, o seu olhar não está voltado para si mas para o outro. Kierkegaard afirma: "ninguém pode ver-se a si próprio num espelho, sem se conhecer previamente, caso contrário não é ver-se, mas apenas ver alguém[1].
Conhecemos pessoas que vivem profundamente frustradas, fracassadas e malogradas, apesar de possuírem muitas coisas e muitos bens. Todavia, não possuem algo que é essencial, ou seja, não possuem a si mesmos.

Um pouco da vida de Kierkegaard

Kierkegaard, nasceu na Dinamarca em 05/05/1813, num lar abastado, onde existiam ideais e valores morais muito rígidos, ligados à fé luterana. Os quais eram cultivados e fomentados por seu pai, Michael Pedersen Kierkegaard, que de certa forma incutiu no seu filho a visão de Deus como um grande carrasco. Tudo isso devido a dois fatos verificados na vida do pai do filósofo:

1- Quando Michael era bem jovem e o seu emprego na época, era de pastor de ovelhas nas gélidas colinas da Jutlândia, passando fome e sofrendo imensamente, ali amaldiçoou a Deus. Apesar de ter ido para a capital do seu país, progredindo imensamente, como comerciante rico e próspero, via sobre si a maldição de Deus face àquele ato que ele julgava pecaminoso.

2- O coração de Michael lhe pesava ainda, por se sentir culpado pela sedução de sua futura esposa antes do casamento. Foi dessa relação que nasceu Sören Aabye Kierkegaard.

Estes fatos eram motivos naquela família para explicar a postura melancólica do Senhor Michael Pedersen Kierkegaard. E, tal situação era tão aguda que levou até mesmo o próprio Kierkegaard a encarar que uma maldição pesava sobre a sua família, durante uma época de sua vida.

Isso não seria viver sem se conhecer? Isso não seria uma forma de se torna estranho a si mesmo e não explorar as suas possibilidades existenciais? Esse viver melancólico não era o "esperado" para os membros da família Kierkegaard?

Nietzsche no seu "Assim Falou Zaratustra” (1891), chama essa esfera de vida de "vivência do camelo", onde a conduta do homem, por não se conhecer a si mesmo é ditada pelo medo, pelo tu-deves e pela disposição imensa de levar pesadíssimas cargas, vejamos o que o filósofo disse: "Todo esse pesadíssimo espírito de carga toma sobre si: igual ao camelo, que carregado corre para o deserto, assim ele corre para o seu deserto".



O pai de Kierkegaard carregava profundas culpas que o fazia escravo das circunstâncias. Predominava o “tu deves”. Carregando cargas profundas, assumindo gratuitamente os problemas dos outros e residindo num verdadeiro deserto, onde só se encontra pedra, pó e o sol escaldante, o perfeito camelo.



Do “tu deves” para “tu queres”


O próprio Kierkegaard coloca para si o desejo de abraçar DESESPERO-DESAFIO, que é a aceitação da destruição de si, isto é, a morte do "EU ESCRAVO", para um pular ou arriscar ser, um eu de sua própria invenção. O grande desafio do indivíduo é superar a finitude e a necessidade de ser um eu próprio, construído através das suas forças. E isto, só é alcançado, mediante o "SALTO DA FÉ", que é experimentado mediante a liberdade, a sua própria decisão, sem qualquer influência do outro.

É a verdadeira afirmação da sua própria vontade. É a troca do "Tu-deves" irresponsável, que vimos anteriormente, pelo "EU QUERO" determinante. É o experimentar o que Kierkegaard chama de "Angústia de Abraão".

É neste instante que diante do eu, o campo das suas possibilidades reais crescem e, o indivíduo, sem medo, parte para a procura daquilo que ele quer ser.

O primeiro passo para isso é tomar consciência do seu desespero, ou seja, dar-se conta de que ele vem sendo um eu que ele não quer. Um "EU ESCRAVO". Um eu bastante obediente. Nietzsche escreveu: "Manda-se naquele que não pode obedecer a si próprio” · Um eu que se porta de acordo com o esperado. E aqui permitam-me fazer uma digressão(desvio do assunto, evasiva) com o termo desespero. Se olharmos a palavra sobre a forma interpretativa de "TIRAR O ESPERADO OU TIRAR A ESPERANÇA = DES + ESPERO" . Podemos notar, que o indivíduo que se inclui no desespero-fraqueza, sempre faz e fez o que os outros "esperavam" dele. Todavia, aquele que se inicia no caminho do DESESPERO-DESAFIO, pode "TIRAR AQUILO QUE ESPERAM QUE ELE SEJA".


Existem pessoas há que não assumem o "esperado" delas, mas olhando para si, fazem algo novo, desmistificando todas as expectativas dos outros! Exemplo disso? Helen Kelper, que nasceu cega e surda (1880-1968), era "esperado" que ele fosse mais uma criança deficiente no mundo, mais um ser humano com problemas de saúde na eterna dependência do outro, mas ela "tirou o esperado". Através da ajuda de sua professora Ana Clivam, desafiou o destino que parecia lhe estar reservado e, aprendeu a fazer tudo como as pessoas ditas normais faziam. Venceu a sua crise, isto é, escolheu não se deixar permanecer presa à cegueira, surdez ou qualquer deficiência, antes superar tudo isso.

O que dizer também do compositor alemão Ludwig Van Beethowen, que depois de ter perdido a sua audição, conseguiu escrever uma sinfonia inteira, usando não os sons mais as vibrações destes que faziam no solo de sua casa.

O que eu quero dizer com isso? Quero dizer, que qualquer ser humano, seja ele quem for, pode superar e ultrapassar as situações mais difíceis que se apresentam na sua vida, pois conforme o filósofo alemão Martin Heidegger disse: "O homem é um ser que está para além da sua própria situação".

Portanto, o ser humano não como uma coisa ou um simples objeto, que vive sendo determinado pelas circunstâncias da vida ou pelo outro. Mas, que tem a possibilidade de em olhando para si mesmo, ousando ser ele próprio, transformar e mudar ocorrências e eventos da sua vida. Irwin Yalon disse que nós não somos livres das influências biológicas, sociológicas, familiares ou políticas. No entanto, ele mesmo afirmou que nós somos completamente livres para lidar com todas estas coisas. Isto ratificando as palavras de Sartre, a saber: "Não importa o que fizeram de mim, importa o que eu faço daquilo que fizeram de mim". Somos quem desejamos ser. Fazemos as coisas sempre da mesma forma porque fomos treinados para agir assim. Repetimos o mesmo comportamento a vida inteira porque foi a maneira como aprendemos e treinamos. Acabamos nos tornando escravos da rotina e, quando somos solicitados a mudar, argumentamos: Sou assim desde criança, é o meu jeito de ser e não vou mudar. A grande verdade é que você é a pessoa que escolhe ser. Todos os dias você decide se continua do jeito que é ou muda. A grande glória do ser humano é poder participar de sua autocriação. Mas, para que isso aconteça, é necessário que a pessoa tenha a absoluta intenção em querer ser ela mesma. E, como nós vimos, o indivíduo que mantém a postura do desespero-fraqueza, em não se permitindo ver-se, sustenta a ilusão que o modelo do outro sempre é melhor, enquanto o seu não é.

Esta postura desenvolve uma profunda falta de amor próprio e um desconhecimento das suas reais possibilidades. Ele é um prisioneiro. Prisioneiro dos modelos, das formas, dos "deverias", enfim, um prisioneiro de si mesmo, porque a chave da sua cela está com ele o tempo todo, só que ele se nega a usá-la. O desespero-desafio é uma postura muito diferente da primeira. Nela o indivíduo toma consciência de que o melhor que ele pode fazer por si, é ser ele próprio. Neste aspecto, o indivíduo não se recusa a aceitar o seu eu, porém, procura antes de tudo conhecê-lo, a fim de que possa aos poucos construir um eu de sua própria invenção.

A consciência de que ele está sendo vai aumentando, ampliando a sua visão de si mesmo e assim proporciona a percepção da sua singularidade. A cada dia este indivíduo se sente desafiado em "tirar o esperado". Em evidenciar que ele é um ser único e singular. Que é ele mesmo, quem deve determinar o melhor para si. O que significa dizer que este melhor para si, é melhor só para ele.

Massificação x Autoeducação


A grande questão da nossa época é uma coisa chamada globalização. Uma espécie de anonimato disfarçado, no qual procura-se diluir as diferenças e singularidades dos povos, dentro de um uniformidade econômico, cultural e social. Dentro dessa visão o humano é apenas mais um mero detalhe, um número.

Esta estratégia de alguns vem implantando até mesmo falsas necessidades nas pessoas como mostrou Herbert Marcuse no seu livro "Eros e Civilização". Quando o outro faz propaganda de carro, camisa, comida ou lazer, é um exemplo claro do que esperam de você e de mim, que possamos aceitar tais coisas como se fossem nossas necessidades. E o pior, é que às vezes as pessoas se sentem frustradas por não atingirem a realização de necessidades que não são suas. O indivíduo que sente o desespero-desafio, que intenciona ser ele mesmo, aprende a dizer não àquilo que não lhe pertence, às necessidades que os outros tentam implantar na sua vida. Ele tem coragem de ser diferente, de assumir que pensa e sente de forma única no mundo. Este indivíduo é mais espontâneo, pois procura estabelecer uma coerência interna, que se mostra externamente, porque ele procura viver o que sente, falar o que pensa e sempre a cada instante, "tirar o que se espera dele".
A capacidade de dizer não se traduz na verdadeira história da filosofia: ser plenamente humano inclui a coragem de afirmar o contrário do estabelecido, se for preciso, respondendo à intuição envelhecida com uma nova intuição. Por exemplo:Sócrates disse não a tudo que o precedeu, Tales dirá não as cosmogonias. Aristóteles dirá não a Platão.
Kierkegaard, tanto quanto nós contemporâneos, viveu numa época onde a massificação, o fazer tudo igual, o desvalor do indivíduo era fomentado e fortalecido. A pessoa tinha que seguir as convenções gerais, em detrimento da sua própria individualidade. Porém, aquele filósofo sempre disse que o que importa é como o indivíduo, na sua particularidade, na sua concretude e na sua unicidade, faz com a sua existência. Existência que para Kierkegaard não era o mero ato de respirar, de comer ou se vestir, mas "um ato de escolher em ir na direção de ser". A direção daquilo que o indivíduo elegeu como sendo o seu objetivo, o seu projeto. Existir é ir em direção às escolhas individuais. É sair da prisão da mesmice, da igualdade e da uniformidade, que tanto sofrimento causa e, partir em direção à autoconstrução da vida individual.

Quantas pessoas que não quiseram "tirar o esperado" e assumiram o desespero-fraqueza. Acabaram casando com quem os outros esperavam que ela se casasse, ficaram no emprego ou na profissão que esperavam ela trabalhasse, viveram a vida que esperavam que elas vivessem e sofreram existencialmente de uma maneira tão profunda como elas não esperavam para si.


Vive da falta. Falta a vida original, a vida de autoria do próprio indivíduo. A pessoa que abraça o desespero-desafio e quer ser ela própria, não se conformar em ser um observador, mas faz-se um ator e autor da sua própria história. Assume a responsabilidade total de que a sua vida depende de si mesma. Que ela é energia viva e autodeterminante. Que ela nunca é, mas é sempre um vir-a-ser, em constante transformação, um devir.


Kierkegaard demonstrou durante a sua vida, que os outros sempre esperam de nós que sejamos tais quais eles planejaram que nós fôssemos. Não corresponder essa visão é um ato de coragem e de desespero, pois é preciso quebrar toda uma "história" pré-articulada e construir uma que é do seu jeito único. Para tanto, é preciso que o indivíduo tenha autodeterminação, autodedicação, autodisciplina e autodesprendimento. Autodeterminação é a intenção do indivíduo de ser ele mesmo, capaz de afirmar e efetivar os seu projetos, sonhos e desejos. Ele se determina e não permite que ninguém faça isso por ele. Autodedicação é o movimento da pessoa no sentido de se entregar à realização dos seus objetivos.

Conclusão
Embora a grande maioria dos seres humanos permaneçam na “periferia de si mesmo”, acreditando que a existência consiste em buscar o prazer e evitar a dor, chega um momento na vida de todos nós que se descobre que a vida não é apenas isso.

A busca da satisfação permanente é uma quimera, uma ilusão. A realidade humana transcende os aspectos meramente exteriores. Emerge, então, as sensações internas, o desespero aflora à consciência, a própria conscientização de que se vai morrer, coloca intensamente perante o indivíduo a questão básica: ser ou não ser. E para ser é preciso autodisciplina, é preciso autodesprendimento.
Autodisciplina é a postura que o indivíduo tem de seguir um método para conquistar as suas metas. O método é um caminho, um meio. -Que meio será esse ?-Só o indivíduo pode responder ! Autodesprendimento é um ato contínuo no qual o indivíduo aprende a lidar com a escolha. Sendo a principal "escolher-se". Escolher é aprender a abraçar algumas coisas e desapega-se de outras, que não resultam no melhor para si.
Fica a escolha: o desespero-fraqueza, isto é, o conformismo, ou o desespero-desafio, o sentir, o ser autêntico. Seja de um modo, seja de outro, paga-se o preço.
Essa é a visão de Kierkegaard sobre as crises existenciais, o aprendizado a cada dia do desespero-desafio, do ato de educar cada um a si mesmo sobre quem ele é e pode ser.

Bazanini / janeiro/2001.
posted by Brennote!! at 15:59

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